quinta-feira, 22 de setembro de 2011

pedra onde tinha posto a guaiaca e as armas; corri as mãos por todos os lados, mais pra lá, mais pra cá...; nada! nada!...
Então, senti frio dentro da alma..., o meu patrão ia dizer que eu o havia roubado!... roubado!... Pois então eu ia lá perder as onças!... Qual! Ladrão, ladrão, é que era!...
E logo uma tenção ruim entrou-me nos miolos: eu devia matar-me, para não sofrer a vergonha daquela suposição.
É; era o que eu devia fazer: matar-me... e já, aqui mesmo!
Tirei a pistola do cinto; armei-lhe o gatilho..., benzi-me, e encostei no ouvido o cano, grosso e frio, carregado de bala...
- Ah! patrício! Deus existe!...
No refilão daquele tormento, olhei para diante e vi... as Três-Marias luzindo na água... o cusco encarapitado na pedra, ao meu lado, estava me lambendo a mão... e logo, logo, o zaino relinchou lá em cima, na barranca do riacho, ao mesmíssimo tempo que a cantoria alegre de um grilo retinia ali perto, num oco de pau!...
- Patrício! não me avexo duma heresia; mas era Deus que estava no luzimento daquelas estrelas, era ele que mandava aqueles bichos brutos arredarem de mim a má tenção...
O cachorrinho tão fiel lembrou-me a amizade da minha gente; o meu cavalo lembrou-me a liberdade, o trabalho, e aquele grilo cantador trouxe a esperança...
Eh-pucha! patrício, eu sou mui rude... a gente vê caras, não vê corações...; pois o meu, dentro do peito, naquela hora, estava como um espinilho ao sol, num descampado, no pino do meio-dia: era luz de Deus por todos os lados!...
E já todo no meu sossego de homem, meti a pistola no cinto. Fechei um baio, bati o isqueiro e comecei a pitar.
E fui pensando. Tinha, por minha culpa, exclusivamente por minha culpa, tinha perdido as trezentas onças, uma fortuna para mim. Não sabia como explicar o sucedido, comigo, acostumado a bem cuidar das cousas. Agora... era vender o campito, a ponta de gado manso - tirando umas leiteiras para as crianças e a junta dos jaguanés lavradores - vender a tropilha dos colorados... e pronto! Isso havia de chegar, folgado; e caso mermasse a conta..., enfim, havia se ver o jeito a dar... Porém matar-se um homem, assim no mais... e chefe de família... isso, não!
E d'espacito vim subindo a barranca; assim que me sentiu o zaino escarceou, mastigando o freio.
Desmaneei-o, apresilhei o cabresto; o pingo agarrou a volta e eu montei, aliviado. O cusco escaramuçou, contente; a trote e galope voltei para a estância.
Ao dobrar a esquina do cercado enxerguei luz na casa; a cachorrada saiu logo, acuando. O zaino relinchou alegremente, sentindo os companheiros; do potreiro outros relinchos vieram.
Apeei-me no galpão, arrumei as garras e soltei o pingo, que se rebolcou, com ganas.
Então fui para dentro: na porta dei o - Louvado seja Jesu-Cristo; boa-noite! - e entrei, e comigo, rente o cusco. Na sala do estancieiro havia uns quatro paisanos; era a comitiva que chegava quando eu saía; corria o amargo.
Em cima da mesa a chaleira, e ao lado dela, enroscada, como uma jararaca na ressolana, estava a minha guaiaca, barriguda, por certo com as trezentas onças, dentro.
- Louvado seja Jesu-Cristo, patrício! Boa-noite! Entonces, que tal le foi de susto?...
E houve uma risada grande de gente boa.
Eu também fiquei-me rindo, olhando para a guaiaca e para o guaipeva, arrolhadito aos meus pés...
                                                                                                      João Simões Lopes Neto

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